terça-feira, 9 de setembro de 2008

Amanhã tenho amores

No São Sebastião do Rio de Janeiro em 6/7 de Setembro de 2008

Hoje Muriqui se foi... meu pai chorou ao despedir-se das lembranças sozinho e rumou para uma jornada nova cheia de esperanças... cresci lá. Não sei como fugir daquele mar onde ele me soltou e eu aprendi como se segura na mão de minha mãe de água salgada. No meu quintal tinha um cano que passava pelo chão e uma vez eu tropecei e quase quebrei o nariz, vestia uma camisa azulzinha que ficou toda preta, preta porque a terra do meu quintal é muito boa para se plantar e afins, e tinha um limoeiro onde eu rasguei o braço num prego enferrujado grudado num pedaço de madeira que segurava o limoeiro, ele dava limões grandes e o suco era ótimo, jamais tive coragem de culpar o limoeiro pela cicatriz que ele me fez, o suco era bom e assim aprendi a gostar de cicatrizes. Meu primeiro cachorro era preto, e seu nome era rusqui, ( certamente está errado, pois nunca soube como se escrevia o nome dele, só minha mãe que sabe por que foi ela que escolheu, ela gosta de nomes assim, diferentes e secretos), eu o deixei cair uma vez quando ele era pequeno e machuquei sua patinha, sempre que chegava perto dele e tocava nessa pata ele rosnava para mim, mais ele nunca me mordeu, acho que nunca me perdoou pelo que fiz com sua pata, mas sabia que sua missão era de guardar-me e guardar os meus em casa, por isso nunca se vingou, assim aprendi a ter cuidado com as coisas e pessoas. E tentar não machucar suas patas. Sei que ao longo de minha vida e até hoje já quebrei minha promessa várias vezes. Eu pulava o muro pra tomar banho de piscina na casa da vizinha que era vesga porém muito amável e tinha um filho chatinho e mimado e um marido que ainda continua em muriqui, só que sem ela e sem o filho e comendo a mulher que alugou a casa de cima. Mais não quero falar de vizinhos senão terei de me lembrar que certa vez o bode Napoleão me deu uma corrida no campo de futebol e destruiu o meu balanço na trave do gol, o balanço era feito com uma corda e com o batatão, que era como eu chamava a almofada gigante do meu avô. A cachoeira passava atrás da minha casa e da janela do meu quarto eu sabia exatamente quando a água do poção estava chegando... minha mãe punha um maiô azul e laranja e tomava sol como um lagarto feliz em cima das pedras, isso era lindo e eu areava as panelas de minha avó com a areia do fundo da cachoeira e pegava pitu com a peneira de meu vô. Tive uma tartaruga, alguns porcos da índia, um cachorro branco que morreu de parvovirose, e eu nunca vi tanto sangue saindo de alguém ou alguma coisa na minha vida inteira, um vizinho que foi abandonado pela esposa e ficou com as duas filhas e uma panela só para cozinhar, ele herdou meus porcos da índia que se comeram depois porque também estavam passando fome. Fiquei com muita raiva de minha mãe ou meu pai, não lembro, que deram ao vizinho meus bichos... mas depois vi que eles estavam em condições iguais, os porcos e meus vizinhos, a única diferença era de que os vizinhos não puderam mastigar-se uns aos outros. E assim aprendi que a condição humana muitas vezes é cruel, que eu recebia um beijo de meu pai sempre que ele chegava do trabalho e que ele beliscou minhas bochechas quando soube que eu tinha ficado menstruada pela primeira vez. Morri de vergonha, mas tinha várias panelas em casa, o que me faz ter mais vergonha ainda. Meu quarto começou branco e com a idade foi ganhando cor, letras, desenhos e pôsteres: primeiro dos Backstreet Boys e depois das bandas que comecei a roubar do meu irmão quando comecei a virar moderninha demais praquela cidade. Tem a escada de ardósia que sempre me dava medo e eu acho que esse meu medo de escadas vem dela, minha mãe caiu de lá uma vez e eu fiquei com medo de que ela (...) assim como meu pai nos seus tantos problemas de coração já quase (...) muitas vezes. Assim aprendi quem eles realmente eram, e o medo da morte me fez pelo menos dizer “eu te amo”. Sei que mais me esqueço do que me lembro dessa parte, que só abraço meu irmão em datas comemorativas, que às vezes abraço meu pai sem mesmo olhar pra ele porque acho que as outras coisas que estou porventura fazendo na hora são mais importantes. Tenho que aprender o desaprendido. Uma vez quando ele estava enfartando e sujou umas três toalhas de sangue que jorrava sem parar eu pedia pra ele que ele não morresse. É um absurdo esquecer-me disso. Tenho que aprender o desaprendido. Eu chorei muito no meu quarto quando Dudu terminou comigo, lá no meu quarto escutávamos Pearl Jam e minha mãe levava Nescau pra ele na cama quando ele acordava. Uma vez eu estava penteando o cabelo dele, um cabelo louro, grande, cacheado e muito cheiroso, quando coloquei a cabeça dele entre meus seios protegidos por um sutiã de meia-taça cor de carne que eu havia roubado de minha mãe. Eu gostei da idéia e ele gostou da idéia. Safada demais pra época, me achando a dona da situação. Virgem e inexperiente. Provocadora e burra. Uma vez ele colocou a mão no meu ombro sutilmente e me olhou com olhos de quem queria tudo-ali-naquele-mundo-nosso. Eu corri, lógico. Safada demais pra época, me achando a dona da situação. Virgem e inexperiente. Provocadora e burra. Assim eu aprendi a perceber que pequenos gestos me deixavam deslumbrada e carrego isso até hoje. E aprendi também a respeitar os desejos de um homem, mesmo que esses desejos sejam de ordem simplesmente fisiológica ou mais complexamente interna. Sei que hoje ainda sou safada e metida a saber, inexperiente mesmo com alguns “sexos” por aí na mala, provocadora e burra. Com alguns truques, confesso. Mais sentir o cheiro do cabelo recém lavado daquele menino que eu tinha entre meus seios até hoje me faz sorrir. Já briguei muito naquela casa, com meu pai, quando coloquei meu primeiro piercing ele disse que eu havia me mutilado e minha mãe foi cortar os legumes pro almoço chorando em frente à tabua de madeira. Enfrentei e justifiquei minha “mutilação”, mas tirei o piercing algum tempo depois. Recebi um “eu te amo, sábia decisão espiritual” do meu pai e ri... como sempre, debochada e transgressora como ele dizia. Perversa e com a consciência como pior inimiga. Não adianta ser má sendo mãe, canceriana e filha da dona do mar. Tudo se escorre num sorriso leve e num abraço que cura. Aprendi a não me ludibriar comigo mesma. E hoje ainda tento algumas vezes e fico feliz quando não consigo. Vai pro mar, Danielle. Fiz muito lá na casa que não sei se vou voltar algum dia. Tenho as cicatrizes, os choros, os risos, a prece de domingo que meu pai fazia no almoço, o sonho exato na hora que minha amiga estava morrendo, minha mãe estirada no sol em meio às pedras gigantes que rolavam em dia de enchente, meu irmão pintando a parede do quarto e deixando o cabelo crescer ao som de Iron Maiden, meus bichos, meus teatros com Pablo e Natacha e o mau humor da manhã quando me puxavam a coberta pra eu acordar cedo.


Sinto o cheiro de tudo. Foi ontem que fiz cinco anos de idade. E agora tenho 1287 palavras.

Amanhã tenho amores.

Dani Ribeiro.



3 comentários:

Fabiana disse...

deixo a minha paz! gosto da maneira simpels como escreve, pois ser simples é ser pleno como ser humano. bos, sucesso!

Fabiana disse...

TENTEI TANTAS VEZES POSTAR QUE, QUANDO ACERTEI A POSTAGEM, ERREI A DIGITAÇÃO...MAS, QUE MERDA! mERDA PRA NÓS...SORTE COM MERDA OU MERDA COM SORTE!

Anônimo disse...

lá vem você me fazer sorrisos com lágrimas...